Homenagem a mestra da vida


Morreu tia Ively.

Calou-se para sempre sua voz rouca tão cheia de sensibilidade que, em seus escritos ou aulas, nos tocava, ensinava e encantava. Aquela que lecionava a vida em linguagem de renúncia.No nosso último encontro “na esquina da casa dela”, olhei triste seu rosto abatido envelhecido e, temerosa de que a morte se avizinhasse, fui tomada de emoção,reconheci cada traço ,cada ruga ,cada momento vivido ,me concentrei nisso, pois não conseguia imaginar o momento de não tê-la mais entre nós. Era uma premonição ou constatação, foi uma despedida, não sei...Na véspera de sua ''viagem''a angústia me acompanhou o dia todo,chegava a ser uma dor física e eu não sabia porque...E, na madrugada do dia 10 de Outubro de 2009, seu espírito deixou seu corpo, enquanto dormia.Costumo dizer que poucas pessoas merecem morrer dormindo,sem aviso,sem doença ,sem agonia . E com certeza, ela era uma destas. Exemplo de ser humano, de cidadã, de professora correta das antigas daquelas que até hoje os alunos se recordam com amor ,eu e meus irmãos aprendemos a ler e fazer contas com ela, em um tempo em que professor era visto com amor e respeito. E, com certeza,ela é uma destas. Exemplo de filha dedicada, de mestra, em um tempo em que os indivíduos de caráter parecem ser uma rara exceção.Sempre haverei de lembrar-me dela . As palavras ''Como ta tu'',''pequerrucho'',''simsenhoro'' e outras tantas haverão de remeter-me às suas belas lições, às suas análises criteriosas das situações do cotidiano, que tanto mexiam com a sua e a nossa emoção.Eu a admirava muito como mulher, tia , ultimamente, como mãe. Aprendi muito com ela e as palavras estarão caladas dentro de mim: “Renúncia é vida interior e quem tem vida interior jamais padece ou padecerá de solidão.”Recebendo pelo telefone a notícia de sua partida, repeti o que costumo dizer quando morre alguém extraordinário: “Existem pessoas que jamais deveriam morrer.” Mas, pensando bem, qual o grande ser que morre, realmente? Todos eles deixam rastros de luz em nossos caminhos e, assim, vivem para sempre.Acho que meu comentário usual deveria mudar para a constatação de que certos homens não morrem nunca. O certo, provavelmente, é dizer como o nosso grande autor do sertão, Guimarães Rosa:que minha tia apresentou :Pessoas assim não morrem, “ficam encantados”. Assim, posso dizer que Tia Dida “ficou encantada”. Em outras paragens, ela estará, decerto, despertando a sensibilidade daqueles que partiram sem alcançar a plenitude de sua humanidade,casta não só no corpo ,mas na alma.Ah!, minha prezada mestra da Vida , sentirei muito sua falta,das tardes de Domingo ,do seu bolo salgado de fubá com queijo,da sopa de ovo quebrado,momentos que só fazem sentido para que os compartilhou ,mas pode ter certeza que, também, por ter apreendido suas lições, sua postura positiva,pura, de ajuda diante dos que necessitavam, ouvido seus belíssimos comentários sobre Força, tornei-me uma pessoa melhor e cresci muito como ser humano. Você, em sua simplicidade, provavelmente, nem sabia que iluminava a vida de tantos.Que honra poder ter estado sob essas terras com você ,vivenciando o amor , a união e a paz e, junto de ti, continuando as lições que recebi, aprendi, mais e mais, a amar a Vida e a noção da finitude dela nesta terra ,entender que se continuar o caminho que um dia seu doce olhar iniciou para mim, desta forma, jamais haverei de padecer de solidão e não sentirei a sua partida.Enquanto existir a música do Roberto Carlos, as auroras e crepúsculos, os amores e desamores, encontros e desencontros e meu coração continuar batendo, com a emoção tomando conta de meu ser, serei muito rica de vida interior. Poderei, inclusive, ouvir as músicas das esferas celestiais e, até nos meus silêncios, estarei ouvindo os sons da Divindade.Sabe, grande mestra da Vida, repetindo palavras suas, citando não me lembro quem, devo dizer-lhe: “A dor da gente não sai no jornal”. E a minha dor pelo silêncio de seu sono eterno não pode ser traduzida em pobres palavras. Mas ficam aqui registradas.E, como diz o Pe. Fábio de Melo, brincando com o poema de Drummond: “A festa acabou, a luz apagou e, agora, é você e Deus”. E Deus, certamente, gostará de ter em seu regaço uma grande mulher, uma filha muito amada, que soube perseguir a Sua Luz e dignificar existência humana. Adeus

Fabiane Dalaneze

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
© Template Scrap Suave|desenho Templates e Acessórios| papeis Bel Vidotti